A qualidade da água dos rios da Mata Atlântica vem apresentando melhora gradativa. De acordo com um novo estudo da Fundação SOS Mata Atlântica, embora os desafios permaneçam, houve um avanço na preservação dos recursos hídricos ao longo do último ano. No bioma onde vivem mais de 70% da população brasileira, 8% das análises realizadas em 2023 indicam água de boa qualidade – um incremento discreto, mas relevante, em comparação ao ano anterior (6,9%). Já as amostras classificadas na categoria “regular” representam 77% do total, um aumento de dois pontos percentuais.
A ocorrência de água considerada ruim, por sua vez, caiu de 16,3% para 12,1%. Por outro lado, as análises que indicam qualidade péssima foram mais numerosas no período: passaram de 1,9% para 2,9%. Nesses pontos, que somam 15% do total (contra 18,2% em 2022) a água não é apropriada para seus usos múltiplos – como utilização na agricultura, indústria, abastecimento humano, dessedentação de animais, lazer e esportes.
Os dados são da edição de 2024 da pesquisa “O Retrato da Qualidade da Água nas Bacias Hidrográficas da Mata Atlântica”, realizada pelo programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, que conta com o patrocínio da Ypê desde 2015 e apoio da Nespresso e da Flex Foundation.
O relatório oferece o retrato da qualidade da água em bacias hidrográficas do bioma por meio de dados do Índice de Qualidade da Água (IQA), levantados por uma rede de cerca de 2.700 voluntários que integram o Observando os Rios. Com base em coletas mensais entre janeiro e dezembro de 2023, foram realizadas 1.101 análises em 174 pontos de 129 rios e corpos d’água em 80 municípios de 16 estados da Mata Atlântica.
Situação dos rios da Mata Atlântica
A avaliação geral indica uma situação ainda longe do ideal, com menos de 10% dos pontos analisados com qualidade boa e, assim como nos últimos anos, nenhum com qualidade ótima.
“Percebemos uma tendência de melhora, mas o quadro de alerta em relação aos rios da Mata Atlântica persiste, revelando a fragilidade da condição ambiental de parte significativa dos corpos d’água monitorados”, afirma Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios. A qualidade regular da água obtida em 77% dos pontos demanda atenção especial dos gestores públicos e da sociedade, especialmente neste momento de emergência climática”, completa.
Considerando cada ponto de análise individualmente, a condição da qualidade da água melhorou em 12 e piorou em quatro. No restante, foi mantida a média de qualidade do ano anterior. Destacam-se os rios Mamanguape, na Paraíba, e o ribeirão do Curral, em Ilhabela, no estado de São Paulo, que saíram de condição regular para boa. A média de qualidade do rio Tietê, na divisa entre os municípios de São Paulo e Guarulhos, passou de ruim para regular – possível consequência de obras de coleta e tratamento de esgotos recentemente finalizadas.
Ainda em São Paulo, outro ponto de melhora foi no rio Jundiaí, no município de Salto, que manteve a qualidade de água boa, de forma perene, ao longo de sete meses de monitoramento. Na região sul, os rios Brás, em Santa Catarina, e Feitoria e Noque, Rio Grande do Sul, foram de média ruim para regular. Três pontos de água péssima estão localizados no rio Pinheiros, na capital paulista, um no Rio Tietê, em Barueri (SP), e outro em Ribeirão dos Meninos, em São Caetano do Sul (SP).
Veronesi chama atenção ainda para o córrego do Sapateiro, na capital paulista, que, no levantamento anterior, havia registrado média boa em sua área de nascente. Em 2023, voltou a piorar, com a qualidade caindo para regular. “A melhora no Sapateiro em 2022 foi motivada por trabalhos conjuntos entre moradores e a prefeitura. No entanto, não houve manutenção das condições que resultaram nessa melhora, o que levou ao rebaixamento da média no estudo atual. É um exemplo de como os cuidados com os rios precisam ser constantes”, explica o coordenador.
Água limpa, direito humano
O ano de 2023 foi marcado pela luta, junto ao Congresso Nacional, em prol do reconhecimento do acesso à água limpa como direito humano, da defesa da participação social na gestão e governança da água nos comitês e organismos de bacias hidrográficas e do fortalecimento da Política Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, além de uma grande mobilização contra retrocessos na legislação ambiental brasileira.
Paralelamente, no nível global, eventos como a Conferência da Água da ONU em Nova York geraram a Agenda de Ação da Água, reunindo compromissos de países e organizações, incluindo a Fundação SOS Mata Atlântica, que destacam a importância da participação da sociedade na governança da água e na integração das agendas ambientais. A COP28, em Dubai, foi outro marco importante, com o Brasil reassumindo compromissos internacionais e destacando-se em agendas estratégicas. A SOS Mata Atlântica teve participação ativa, ressaltando a importância da restauração florestal e do combate ao desmatamento para enfrentar desafios climáticos e de segurança hídrica.
Para Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, a integração de políticas públicas e agendas relacionadas à água, clima, meio ambiente e saneamento no Brasil permanece como um desafio.
“A participação ativa da sociedade civil e a atuação em comitês de bacias hidrográficas são fundamentais para promover a qualidade da água e a gestão sustentável dos recursos hídricos”, afirma Malu. “Enquanto a ONU reforça a importância da água como um bem comum global e destaca compromissos para políticas integradas até 2030, o Brasil enfrenta a necessidade urgente de aprimorar suas políticas públicas e práticas para garantir um futuro sustentável e seguro para todas as pessoas”, salienta. Por fim, Malu destaca que o retrato da qualidade da água dos rios da Mata Atlântica reforça a necessidade de engajamento permanente nessa causa que é água limpa para todos.
Para conferir o estudo na íntegra, acesse o site da Fundação SOS Mata Atlântica.
Crescemos escutando que o Brasil é um país “abençoado por Deus”, afinal, temos uma
das maiores reservas de água doce do planeta – cerca de 12%. Com isso, o inconsciente
coletivo transita muito pela ideia de que: já que temos tanta água, ela estará sempre
disponível. O que não é verdade.
Para além dos níveis atuais dos reservatórios, temos o problema da desigualdade da
distribuição dessas reservas. A região Norte tem 6% da população e 70% da água doce;
já a região Sudeste tem 40% da população e 6% da água doce. No Nordeste, onde
vemos constantemente problemas de seca, há pouco mais de 3% da água doce e 29% da
população. Ou seja, no Brasil onde há mais pessoas, há menos água.
Falta de acesso à água
Ainda temos mais de 35 milhões de brasileiros que não têm acesso à rede de
abastecimento de água potável, de acordo com os últimos dados do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (SNIS).
Muito disso acontece por conta das perdas de águas. Vazamentos, erros de leitura e
furtos representam cerca de 38% de perdas, ocasionando sérios problemas em regiões
que passam por estresse hídrico constante, como sudeste e nordeste.
Aliado às perdas, as mudanças climáticas, que impactam diretamente nos níveis dos
reservatórios, mostram que precisamos cada vez mais nos atentar a forma com que
consumimos água e de que a ideia de que ela é abundante está cada vez mais
ultrapassada.
Como nos relacionamos com a água?
Muitos de nós continuam lavando calçadas, quintais e carros com mangueiras
abastecidas direto da rede e por água potável. Ao transitar pelas cidades e olhar para rios
e córregos é comum notar que eles são confundidos com lixeiras. Sacos de lixo, garrafas
PET, eletrodomésticos, sofás e até mesmo carros estão boiando por eles.
E o tratamento da água que sai por nossos ralos também é um problema. Estimativas
feitas pelo Instituto Trata Brasil mostram que jogamos, por dia, cerca de 5 mil piscinas
olímpicas de esgoto não tratado, prejudicando diretamente a saúde da população e
causando transtornos ambientais.
O saneamento é a infraestrutura mais básica de uma sociedade, a que traz mais
benefícios à saúde das pessoas e ao meio ambiente.
As vantagens de expansão do saneamento básico e redes de esgotos são inúmeras, além
da valorização imobiliária, econômica, educacional e diminuição da proliferação de
doenças que coloca em risco à saúde de toda população, especialmente das crianças.
E com isso temos a lição de que a forma com que lidamos com a água precisa mudar e
não importa em que esfera que estamos, sociedade civil ou poder público, cuidar para
que ela não acabe é um dever de todos.